ASSUNTO: A BUSCA PESSOAL E DOMICILIAR
A busca pessoal e domiciliar são consideradas meios de prova na lei processual penal, comum ou militar, sendo por tanto, um assunto que diz respeito ao exercício de Polícia Judiciária e à Instrução Criminal, podendo se estender à fase de Execução Penal, pressupondo, portanto, em regra, a ocorrência prévia de um ilícito penal, afirmativa, esta, que pode ser abstraída da própria finalidade da Lei Processual Penal, segundo leciona MIRABETE (Julio Fabbrini. Processo Penal. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 1997, p. 30).
Sua finalidade é conseguir a realização da pretensão punitiva do Estado, derivada da prática de um ilícito penal, ou seja, é a forma de aplicar o Direito Penal. Tem, portanto, um caráter instrumental; constitui o meio para fazer atuar o direito material penal, tornando efetiva a função deste de prevenção e repressão das infrações penais.
Tratadas por muitos policiais civis e militares como uma prática rotineira no exercício do Poder de Polícia, a busca pessoal e domiciliar, precisam ser realizadas regularmente, e as nossas normas demarcam, com certo rigor, as formalidades legais que devem ser cumpridas, sendo que muitas das vezes, são ignoradas pelos agentes e autoridades policiais, acarretando conseqüências das mais desagradáveis.
No ordenamento jurídico brasileiro o assunto está regulado em três diplomas legais: CF, art. 5º, XI (busca domiciliar); e, (busca domiciliar e pessoal) no Código de Processo Penal Militar, arts. 170 a 184 e Código de Processo Penal, arts. 240 a 250.
A busca pessoal e domiciliar, conforme leciona MIRABETE (1997. p. 315, subitem 8.11.1), podem ser idealizadas nos seguintes momentos:
- Antes do inquérito, quando a autoridade policial toma conhecimento do crime (o próprio art. 6º, do CPP ou art. 12 e 13, do CPPM, deixam isso bem claro, quando define quais as providências que a autoridade policial deverá adotar logo que tiver conhecimento da infração penal);
- Durante a fase do inquérito;
- Na fase processual; e,
- Na fase da execução da sentença, para prender o condena do.
A busca domiciliar (vide arts. 173 e 174, do CPPM e art. 150, §§ 4º e 5º, do CP: todos definem o que compreende ou não o termo casa), é a procura feita em casa alheia, portas adentro, devidamente justificada, objetivando: prender criminosos; apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos; apreender instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos; apreender armas e munições, instrumentos utilizados na prática de crimes ou destinados a fins delituosos; descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu; apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato; apreender pessoas vítimas de crimes; e colher qualquer elemento de convicção, tudo nos termos do art. 240, do Código de Processo Penal.
Quando à apreensão de cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder. TOURINHO FILHO (Fernando da Costa. Código de Processo Penal Comentado. Vol. 1. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 394) assinala:
Pensamos que tal disposição seja inconstitucional, porquanto, a Lei Maior, no art. 5º, XII, inclui, entre os direitos e garantias individuais, a inviolabilidade do sigilo da correspondência, não admitindo a menor restrição, salvo quando se tratar de comunicações telefônicas.
No Código do processo Penal Militar, a busca domiciliar está regulada de forma idêntica no art. 172, letras “a” usque ‘h”, porém, a doutrina dominante, em consonância com os dispositivos estabelecidos na CF, estabelece que ela poderá ser realizada durante o dia, das 06:00 às 18:00horas, com autorização judicial, através de mandado, desde que existam fundadas razões para tal, ou seja, razões sérias, convincentes e certeza de que a prova ou a coisa que se procura está no local indicado. Poderá ser realizada, também, independente de mandado, desde que sejam obedecidas as seguintes formalidades:
a) Consentimento do morador;
b) Efetuar prisão em flagrante delito;
c) Em caso de desastre ou para prestar socorro; e,
d) Se for realizada pela própria autoridade judiciária.
Nas situações precedentes (letras “a”, “b” e “c”), a busca poderá ser realizada a qualquer hora do dia ou da noite, salvo a realizada pela própria autoridade judiciária ou com mandado (letra “d”), que somente se limitará ao período diurno, sendo, portanto, vedada à noite.
O conceito de “noite” no Direito Penal, para alguns penalistas, se inicia com o período de obscuridade solar, de crepúsculo a crepúsculo, porém, a grande maioria dos nossos processualistas, dentre os quais se alinha TOURINHO FILHO (1996, P. 362), asseveram que, as buscas e apreensões domiciliares só poderão ser realizadas entre as 6 e às 18 horas, salvo se o morador ou a pessoa que o representar der-lhe o assentimento.
......iniciada a busca domiciliar durante o dia, sua execução não se interromperá pelo advento da noite. Nem de outra maneira poderia ser; se os executores fossem obrigados a interrompê-la pela chegada da noite, muitas vezes a diligência estaria fadada a fracassar, pois os moradores, interessados em ocultar a coisa procurada, poderiam, com a saída dos executores, ganhar tempo e providenciar, dentro da casa, um esconderijo melhor.
Questão controvertida no que diz respeito, ainda, ao consentimento, ocorre quando o direito de admitir ou excluir que alguém penetre nas partes comuns de uma casa, se reparte entre vários titulares, tal como acontece numa república ou nos condomínios. Nesses casos, ou seja, havendo a discordância de um condômino e a autorização de outro, não existindo síndico ou este não está presente, surge o chamado CONFLITO DE AUTORIDADES HORIZONTAIS, aplicando-se o princípio de que melhor é obedecer à condição de quem proíbe: melior est conditio prohibentis (JESUS. Damásio E. de: Código Penal Anotado. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 463). Nos compartimentos não abertos ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade (Código Penal: art. 150, § 4º, inciso III), citando como exemplos, os consultórios médicos, dentários, escritórios de advogados, etc., a penetração livre da autoridade somente se restringe às salas de espera ou de recepção, vedando-se os locais onde aqueles profissionais atende os seus clientes para executar ou prestar os serviços, situações as quais o consentimento torna-se indispensável. Da mesma forma, nos hotéis ou motéis, as partes comuns ou abertas ao público, não compreendem o termo “casa”, podendo ser penetradas livremente pela autoridade.
Há que ser levado em consideração, ainda, seguindo o magistério de JESUS (Damásio E. de: Código Penal Anotado. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 91), para que o CONSENTIMENTO possua eficácia na busca pessoal ou domiciliar, é indispensável que sejam observadas as seguintes condições:
a) Que o bem jurídico seja disponível, como é o caso do direito à liberdade de locomoção e a tranquilidade doméstica. Tratando-se de bem jurídico indisponível (por exemplo, vida e integridade física), a escusa não se aproveita à conduta policial;
b) Que o ofendido seja capaz de consentir: É necessário que a vontade seja expressa por quem já atingiu a capacidade penal, aos 18 anos de idade, não eivada de qualquer causa que lhe retire o caráter de validade (inimputabilidade por doença mental, erro, dolo ou violência); e,
c) Que o momento do consentimento seja manifestado antes ou durante a prática do ato. Se posterior, não serve como escusa para excluir o crime de abuso de autoridade.
No atual regime constitucional, porém, as buscas domiciliares, com fulcro nas fundadas razões, não mais são auto-executáveis no âmbito da administração pública, face ao disposto no art. 5º, inciso XI, que subtraiu da competência das autoridades policiais civis e militares, no curso de uma investigação criminal, a possibilidade de realizarem-nas diretamente ou expedirem mandados para que terceiros a façam, derrogando, por conseguinte, o que dispõem os arts. 241, CPP e 177, CPPM. Assim, antes da busca, é imperativo que tais autoridades se dirijam ao juiz competente para a obtenção do respectivo mandado, salvo se o MORADOR CONSENTIR, advertindo-se, contudo, repetindo, que tal ESCUSA não se aproveita AOS INCAPAZES, ou seja, pessoas menores de 18 anos e alienados mentais, salvo erro justificado, bem como, não se estende às pessoas que não possuam titularidade sobre o imóvel (caseiro, empregada doméstica, pessoa íntima da família, parentes, etc).
A busca pessoal é a procura que se faz nas vestes das pessoas ou nos objetivos que estão portando, tais como bolsas, malas, pastas, sacolas, incluindo os veículos em suas posses, etc., ou até mesmo no interior do corpo (tem sido muito comum o criminoso fazer a introdução ou a ingestão de materiais que constituem corpo de delito), objetivando encontrar em poder da pessoa, coisa achada ou obtida por meios ilícitos; instrumento de falsificação e contrafação; objetos falsificados ou contrafeitos; armas e munições, enfim, todo material que sirva de prova. Com relação à apreensão de cartas, vide comentário feito alhures (TOURINHO FILHO: 1996, p. 394), já que o sigilo de correspondência é um direito constitucional do cidadão, inclusive, sua violação está tipificada no CP (art. 151).
Além da consentida pela pessoa, a busca pessoal independerá de mandado nas seguintes situações:
a) No caso de prisão em flagrante;
b) Quando houver fundadas suspeitas de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituem corpo de delito;
c) Quando a medida for determinada no curso da busca domiciliar; e,
d) Quando for realizada pela própria autoridade judiciária e autoridade policial civil ou militar, ou seja, o Juiz, o Delegado e o Oficial das Forças Armadas ou Auxiliares, mas, nos caso das duas últimas autoridades, desde que elas estejam envolvidas diretamente na apuração de uma infração penal, comum ou militar, por meio de IP ou IPM (no CPPM, que é a nossa Lei Adjetiva Castrense, a busca pessoal sem mandado denomina-se revista pessoal, arts. 181 e 182).
A busca em mulher, que os art. 183, CPPM e 249, CPP, retratam de forma semelhante, será feita por mulher, desde que não importe em retardamento ou prejuízo para a diligência, entretanto, para evitar a alegação de excessos e futuros constrangimentos por parte da revistada ou até mesmo a alegação de um suposto crime de atentado violento ao pudor, ACONSELHA que a revista, envolvendo o corpo e as partes mais íntimas da mulher, seja realizada por pessoas do sexo feminino (policial civil, militar ou uma transeunte que queira prestar a sua colaboração), sob a orientação da autoridade responsável, salvo se não houver outro meio de compor a prova ou a urgência que implica a medida, caso que, em face da parte final do dispositivo, pode ser feita por qualquer policial.
No que se atine a letra “b”, retromencionada, para que alguém seja considerado em fundada suspeita e, consequentemente, submetido a uma busca policial, o constitucionalista JOSÉ AFONSO DA SILVA, à época em que exerceu o cargo de Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, propôs à Polícia Militar daquele Estado a observação dos seguintes questionamentos:
1 - O que é que se entende por indivíduo suspeito?
2 - Suspeito de que e por quê?
3 - Quando é que o policial tem alguém por suspeito para a abordagem na rua?
4 - Quais as características de um suspeito que justifiquem pará-lo ou parar o seu veículo para uma abordagem?
No primeiro questionamento, o citado constitucionalista definiu entender por indivíduo suspeito aquela pessoa que infunde dúvidas a respeito do seu comportamento ou que não inspire confiança, fazendo, em relação ao lugar em que se encontre, horário e outras circunstâncias, justo receio ás condições que ela se apresenta.
Em razão de tal comportamento, merece uma verificação, buscando, assim, minimizar ou extinguir a probabilidade de eventos criminosos.
No segundo questionamento, posicionou-se no sentido de entender que de fato existe é atitude, ou seja, o comportamento ou a situação de alguém que, de alguma forma, não se ajusta às circunstâncias determinadas pelo horário, clima, local e outros aspectos, tendo apresentado as seguintes situações como exemplos: fuga ao avistar um policial; uso de casaco longo em temperatura ambiente muito elevada; indivíduo de aparência humilde e carente de higiene, conduzindo veículo de alto valor (recomendo, a princípio, uma fiscalização de trânsito) ou em via pública na posse de bens valiosos e de natureza duvidosa; alguém que entre ou saia de determinados lugares que não os habituais, isto é, pulando muros ou janelas; vários elementos no interior de um veículo, estacionado ou circulando insistentemente próximo de agências bancárias ou em locais conhecidos como de venda de entorpecentes; motocicletas na contramão de direção; indivíduo transitando com volume na cintura, por dentro da camisa, em locais e horários suspeitos, etc.
No terceiro questionamento, salientou que não deve existir preconceito ou discriminação quanto à escolha da pessoa a ser abordada, cabendo excluir, desta forma, aspectos físicos, tais como alto ou baixo, gordo ou magro, velho ou jovem, feio ou bonito, branco ou negro. O que caracteriza a fundada suspeita não é a pessoa em si e, sim o seu comportamento associado ás condições de tempo, lugar, clima, pessoas, coisas, etc.
Por fim, as características que justificam parar um suspeito ou seu veículo em via pública e, consequentemente, submetê-lo a uma busca ou abordagem policial, tal como nos deixou vislumbrar o citado constitucionalista, são as mesmas inseridas nos questionamentos precedentes, cujo cunho de legalidade para o exercício do PODER DE POLÍCIA, encontra respaldo no mandamento constitucional (ás Polícias Militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública – Art. 144, § 5º), em conciliação com as normas de Processo Penal, comum ou militar, cujos dispositivos reguladores já foram suficientemente analisados.
Convém ser advertido, porém, que em todos os procedimentos realizados no contexto da busca pessoal e domiciliar, deve ser evitado, primeiramente, a idéia de DISCRIMINAÇÃO contra a pessoa e, segundo, que se busque, sempre, o amparo da medida na existência de requisitos objetivos, ou seja, a autoridade ou agente policial nunca pode realizá-las pela simples imaginação de que uma determinada pessoa possa estar de posse de algum objeto ou material que possa lhe custar uma prisão em flagrante; que constitua corpo de delito; ou que em sua residência ou domicílio possa ser encontrado algo de concreto incriminador, tal como nos afigura, em determinados momentos, as posições adotadas pelo douto constitucionalista José Afonso da Silva, fazendo desnaturar, assim, a possibilidade da DISCRICIONARIEDADE da conduta policial, no sentido de que, pelo critério subjetivo (simples imaginação), qualquer pessoa poderia ser revistada, sem o consentimento do titular do interesse protegido, independente das circunstâncias de fato. Em contrariedade a essa forma de interpretação e de proceder, sedimentou o nosso PRETÓRIO EXCELSO (STF):
BUSCA PESSOAL. FUNDADA SUSPEITA NÃO PODE SER BASEADA EM PARÂMETROS
SUBJETIVOS.
“A fundada suspeita, prevista no art. 244, do CPP, não pode fundar-se em parâmetros subjetivos, exigindo elementos concretos que indiquem a necessidade da revista, em face do constrangimento que causa. Ausência, no caso, de elementos dessa natureza, que não se pode ter por configurados na alegação de que trajava o paciente, um ‘blusão’ sucetível de esconder uma arma, sob risco de referendo a condutas arbitrárias, ofensivas a direitos e garantias individuais e caracterizadoras de abuso de poder (HC nº 81.305-4/GO, 1ª Turma, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 13.11.01, v.u., DJU 22.02.02, p. 35)”.
A posição jurisprudencial acima sedimentada, afastando a realização da busca pessoal com fulcro em PARÂMETROS SUBJETIVOS, ou seja, a possibilidade do policial agir segundo a sua própria e exclusiva vontade, incontinenti, também veda a sua discricionariedade, que deve ser levada em conta somente quanto à FORMA DE SUA REALIZAÇÃO e ao USO DOS MEIOS EMPREGADOS, ou seja, ao seu modus operandi, o que vai depender das circunstâncias do momento.
Assim sendo, para não sair do caminho da legalidade, para que a busca pessoal seja realizada numa determinada pessoa, não estando a mesma em fundada suspeita, tem que haver a sua EXPRESSA AUTORIZAÇÃO, não sendo suficiente à tática, mesmo porque, seguindo o mandamento constitucional, art. 5º, inciso II, sob a égide do PRÍNCIPIO DA LEGALIDADE, ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da Lei.
Vê-se, assim, que a DISCRICIONARIEDADE, ao contrário do que muitos pensam, não reina soberana como atributo do Poder de Polícia, havendo situações em que a prática do ato ou a conduta da autoridade ou agente público, estão demarcados pela lei, disciplinando o rito que deve se seguido, tal como acontece com a prisão em flagrante, alvará de licença para construir, busca pessoal e domiciliar, dentre outros exemplos práticos.
Em outras palavras, a DISCRICIONARIEDADE DO PODER DE POLÍCIA, como sendo uma regra, não passa de uma ficção jurídica, somente se prestando as situações em que a lei autoriza o agente público competente a definir quanto à liberdade de escolha, conveniência e oportunidade de praticar ou consentir determinados atos, tais como exemplos, a autorização para o porte de arma; autorização municipal para montar banca de jornal em via pública, táxi, etc., o que significa dizer, também, que o poder de polícia se espraia por toda a administração, com cada órgão atuando dentro da sua área de competência: PMERJ, PCERJ, CBMERJ, DEFESA
CIVIL, DETRO, DETRAN, IBAMA, ANVISA, PROCON, ANATEL, ANEEL, ANP, SECRETARIA ESTADUAL E MUNICIPAL DE MEIO AMBIENTE, DE TRANSPORTE, etc.
Quanto à expressão “preservação da ordem pública” (Art. 144, § 5º, CF), o atual texto constitucional, inclusive, delegou às Polícias Militares em plus a mais no campo de suas atribuições, já que se subentende a legitimidade para a prática de ações preventivas, objetivando dissuadir, desencorajar, desaconselhar ou inibir condutas criminosas, bem como, ações repressivas, ante a ocorrência de uma infração penal ou na iminência de acontecer, situação última, esta, que pode ajustar-se perfeitamente ás pessoas contra as quais recaiam as “fundadas suspeitas”. Isto é perfeitamente compreensível porque o crime possui quatro fases: cogitatio, conatus remotus conatus proximus e meta optata, palavras latinas que em português significam, respectivamente, cogitação, preparação, execução e consumação, porém, o crime somente existe quando o agente inicia o ataque a um bem jurídico penalmente protegido (vida, patrimônio, integridade física, etc.), o que se dá na terceira fase.
Daí resulta que a primeira e a segunda fase não significam, em regra, nenhuma conduta criminosa, entretanto, da segunda fase em diante, da análise do comportamento da pessoa, v.g., fuga ao avistar o policial; escalada do muro de uma residência; aceleração do veículo quando o policial manda parar; etc., situações já citadas anteriormente, ela pode ser considerada em fundada suspeita a ponto de justificar uma abordagem, estando, aí, um momento reflexivo de extrema importância na conduta do policial, para que não infrinja o seu dever jurídico de agir (arts. 301 c/c 302, CPP) e a prevenção atinja o seu ponto máximo de eficácia, razão de ser da polícia ostensiva.
Convém deixar registrado, também, que não há que se confundir a busca pessoal com a fiscalização de trânsito, uma vez que a primeira, podendo, inclusive, envolver o veículo na posse da pessoa, tal como enfatizado, alhures, é regida pelas normas do CPP ou CPPM e a segunda objetiva verificar se o veículo está cumprindo as normas do Código de Trânsito Brasileiro, onde a ação policial encontra o seu fundamento legal. Ressalte-se, porém, que de uma fiscalização de trânsito, incidindo quaisquer das condições estabelecidas no CPP ou CPPM, pode ser desencadeada uma busca pessoal ou vice-versa. E mais: para a abordagem de veículos com a finalidade de verificar se os seus condutores estão cumprindo as normas de trânsito, a Administração Pública, através dos órgãos competentes, tendo a devida atenção com os casos de imunidade diplomática, possui ampla liberdade de atuação, não havendo, por conseguinte, necessidade de que contra o veículo a ser fiscalizado recaia qualquer tipo de suspeita, mesmo porque, o Poder de Polícia neste particular impera com todos os seus atributos, que é a discricionariedade, a auto - executoriedade e a coercibilidade.
Alerte-se, porém, que toda a cautela possível deve ser adotada quando da perseguição a veículos suspeitos em alta velocidade, circunstância esta que, por si só, não é suficiente para definir que se está diante de um produto de roubo, furto ou que o seu motorista ou ocupantes, estejam cometendo algum ilícito. As nossas estatísticas vêm revelando grandes equívocos da Polícia envolvendo este tipo de ocorrência que, na maioria das vezes, termina em tragédia. Assim, experiências passadas nos têm ensinado que a primeira providência que se deve adotar nesses casos seria procurar cercar o veículo para, depois, com a sua interceptação, observando rigorosamente as técnicas de abordagem, dar início a uma busca pessoal, concomitante com a fiscalização de trânsito, cujos resultados, longe de surpresas, tem sido comum encontrarmos menor ao volante, motorista sem a CNH ou vencida, documento do carro vencido, dentre outras infrações às normas de trânsito, além de pessoas sendo socorridas, vítimas de acidentes graves, baleadas, enfartadas, mulher em trabalho de parto, etc., e a fuga pode até estar sendo motivada por um fato ainda mais inusitado, qual seja, no interior do veículo pode estar uma pessoa vítima de seqüestro regular ou relâmpago. E é exatamente por isso que procurar fazer o cerco sempre será a melhor conduta policial, sendo o disparo de arma de fogo contra o veículo em fuga apenas uma opção secundária, somente se justificando quando a guarnição policial sofre uma agressão na mesma proporção e, mesmo assim, com a consciência de que uma bala perdida não possa atingir pessoas inocentes, principalmente em áreas de grandes concentrações populares, locais, estes, onde a melhor decisão seria permitir a fuga do delinqüente, já que a incolumidade das pessoas é um imperativo constitucional e um bem maior que as Polícias têm o dever de preservar (art. 144, V, CF).
O serviço realizado dentro das orientações trazidas à colação, além de tornar a ação policial mais segura, legal e com maiores possibilidades de sucesso, evita que o seu questionamento judicial produza resultados negativos à imagem da polícia, uma vez que, mesmo havendo erro do agente público, nos casos de aparente fundada suspeita, no mínimo aproveita-se em seu favor a escusa denominada ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL PUTATIVO, nos termos do disciplinado no art. 20, § 1º, do CP e seu correspondente no art. 36, do CPM, verbis:
Art. 20 - ...............
§ 1º - É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato, se existisse, tornaria a ação legítima.
Art. 36 – É isento de pena quem, ao praticar o crime, supõe, por erro plenamente escusável, ...............ou a existência de situação de fato que tornaria a ação legítima.
Seguindo nesse enfoque, quando o CPP e o CPPM disciplinam, dentre outros casos, que a BUSCA PESSOAL pode ser realizada INDEPENDENTE DE MANDADO “havendo fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito”, tais dispositivos não constroem, aí, uma ponte a caminho da ilegalidade, dando azo a discricionariedade da conduta policial, pressupondo, apenas, uma das seguintes condições, que constituem dados objetivos.
a) Que aconteceu um crime momentos antes, chegado ao conhecimento de qualquer autoridade ou agente policial, através da vítima ou terceira pessoa, incidindo contra o autor ou autores da conduta criminosa por estas indicadas ou características denunciadas; e,
b) Repetindo mais uma vez, que a pessoa a ser revistada adotou um comportamento que merece ser conferido, tais como, a fuga ao avistar um policial, entrada ou saída de uma residência por meios que não sejam os habituais, principalmente em locais ermos (escalada de muro ou cerca, pelo telhado, arrombamento, etc.), abertura da porta de veículos por meios não convencionais, dentre outros OBJETIVOS que justifiquem a abordagem, de forma que a conduta da pessoa possa estar incidindo numa das condições de flagrância prevista nos artigos 244, CPPM, ou 302, do CPP, mas nunca pelo fato do policial considerar, por si só, que determinado sujeito seja suspeito.
Face ao exposto, desobedecidas às formalidades legais relacionadas à busca pessoal e domiciliar, o ato fica viciado, sujeitando os seus infratores, no mínimo, ás descrições típicas estabelecidas na lei de abuso de autoridade, nº 4.898/65, artigo 3º, letras “a” (atentado à liberdade de locomoção) e “b” (atentado ao domicílio alheio), além do desgaste suportado pelas instituições policiais, em razão do forte impacto que a mídia dá a tais assuntos, principalmente, quando a medida ilegal incide contra as altas autoridades do poder ou pessoas com maior poder de influência e cultura, tais como, Juízes de Direito, Promotores de Justiça, Advogados, Deputados, Senadores, Empresários, Artistas, etc. Afinal, nunca sabemos contra quem estamos agindo, razão pela qual, respeitando os ditames legais, não importando qual seja a pessoa, jamais seremos questionados sobre as nossas ações, quando ao aspecto da legalidade.
Tomem conhecimento e providenciem a respeito os Órgãos interessados.
(Nota Bol PM nº 42 de 06 Mar 2009 – EMG-PM/3)